Tribunal Supremo da República de Angola

Sumários de Decisões

Identificação dos Autos 75/2014
Entidade Recorrida Governador Provincial de Malanje
Relator Exma. Conselheira Joaquina do Nascimento
Adjuntos Exmo. Conselheiro Manuel Dias da Silva

Exma. Conselheira Efigénia Lima

Data da decisão 20.09.2016
Espécie dos Autos Recurso Contencioso de Suspensão da Eficácia de Acto Administrativo.
Decisão Indeferido o pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo praticado.
Área Temática

 

Recurso Contencioso- Suspensão de Eficácia de Acto administrativo

Direito Administrativo- Lei n.º 8/96, de 14 de Abril

Decreto- Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril

Direito Civil- O ónus da prova- artigo 342º do C.C

Doutrina Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª Edição, pág. 299).

Vieira Andrade, in A Justiça Administrativa, Almedina, 8ª Edição, pág. 347).

Do Amaral, Freitas, citado, in Feijó, Carlos & Pulson, Lazarino, in A justiça Administrativa Angolana, pág. 148, lições — revista e actualizada, 2011,

Sumário

      I.        A Lei n.º 8/96, de 14 de Abril, confere a possibilidade, como acto prévio à interposição do recurso contencioso ou juntamente com a interposição desse recurso, de se requerer a suspensão da eficácia do acto administrativo. Para tal, o legislador faz depender a concessão de tal pedido, da verificação de dois requisitos cumulativos:

a)    A existência de séria probabilidade de a execução do acto causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao interessado;

b)   Não resultar da suspensão grave lesão do interesse público.

    II.        Quanto a existência de séria probabilidade de a execução do acto causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao interessado:

Importa referir que, a providência em apreço deve ser concedida desde que os factos concretamente alegados e provados pelo Requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração em pleno dos factos se perspective difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente (vide Aroso de Almeida, in o Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4º Edição, pág. 299).

   III.        Para a aferição deste requisito o Julgador deverá fazer um juízo de prognose, ou seja, deverá colocar-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, de modo a concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou, entretanto, por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica (Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Almedina, 8ª Edição, pág. 347).

  IV.        No caso sub judice, a Recorrente, para justificar a sua pretensão, alegou que, a suspensão do referido despacho não afectará a boa imagem da instituição do Requerido, pelo contrário, a demolição do imóvel implicará a perda de um grande investimento para o Requerente.

   V.        Nos autos de suspensão de eficácia de acto administrativo, tratando-se de uma providência cautelar, pela sua natureza de urgência e provisoriedade, o julgador não olha “ainda” para o mérito da questão objectivamente, mas sim, deve apreciar a verificação ou não dos pressupostos de que a lei faz depender a concessão ou não da providência requerida.

  VI.        Os autos de suspensão de eficácia de acto administrativo não teriam qualquer utilidade prática. Logo, não é prática decidir a providência olhando para o mérito da causa, mas sim, para a demonstração (ou não) concreta dos requisitos legais, para que ela (providência) seja julgada procedente. Sem prejuízo no entanto de se apreciar questões relevantes para o decretamento ou não da providência que se não resumem aos pressupostos legais exigidos.

 VII.        Todavia, a demonstração dos factos susceptíveis de consubstanciar a existência e/ou a produção de prejuízo de difícil reparação carece de prova.

De acordo com a regra geral do ónus da prova, aquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do mesmo (artigo 342º do C.C., aplicável ao Direito Administrativo) o que equivale dizer que tal prova recai sobre o Requerente.

VIII.        À doutrina, aponta como exemplos típicos de casos em que se verifica o requisito de prejuízo irreparável ou de difícil reparação — do Amaral, Freitas, citado, in Feijó, Carlos & Pulson, Lazarino, in A justiça Administrativa Angolana, pág. 148, lições — revista e actualizada, 2011, os seguintes:

a)    Actos que importam inibição ou concessão do exercício de comércio ou indústria;

b)   Actos que implicam suspensão ou cessação de profissões liberais;

c)    Actos que implicam a perda de clientela, visto que esta será muito difícil de ser no futuro recuperada;

d)   Actos que ordenam o despejo administrativo;

e)     Actos que provoquem danos morais de difícil reparação, como a perda de prestígio, ou confiança dos clientes numa certa classe profissional;

f)     Actos que produzem danos morais irreparáveis ou de difícil reparação;

g)   Actos cuja execução imediata poria em perigo de vida, de certa pessoa com doença grave;

h)    Actos que embarguem obras de execução;

i)      Actos que impõem limitações aos direitos e liberdades individuais, vg, impedimentos de manifestação e reunião.

  IX.        Quanto segundo requisito, que consiste em resultar da suspensão grave lesão do interesse público — art.º 1º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 8/96.

De um modo geral, se entende, que as posições  subjectivas dos particulares devem ceder perante o interesse público. Estamos perante um requisito negativo, de que resultam duas interpretações possíveis, se relacionarmos este segundo requisito com o primeiro, em que, teremos naturalmente:

a) Um requisito mais favorável ao particular;

b) Outro requisito mais favorável à Administração Pública.

   X.        Estes dois requisitos são correlativos, de tal modo que o julgador tem de ponderá-los, simultaneamente, a fim de ver qual o prejuízo mais grave, se o prejuízo que o particular sofre com a execução imediata, ou se o prejuízo que o interesse público sofre com a execução diferida.

  XI.        São apontados como casos em que a suspensão causaria grave lesão ao interesse público, dentre outros — in, Feijó, Carlos, A Justiça Administrativa angolana, pág. 147, citando Diogo Freitas do Amaral— os seguintes actos:

a)    Actos de aplicação de penas disciplinares a funcionários públicos;

b)   Actos que ordenem a demolição de prédios com fundamento em que a ameaçam ruina, constituindo perigo a segurança pública;

c)     Actos que imponham o sacrifício especial de direitos dos particulares por motivos de defesa urgente de saúde pública;

d)   Actos que apliquem medidas de polícia para assegurar a manutenção da ordem e tranquilidade públicas.

 XII.        Embora não encontremos nos exemplos acima enumerados um que se aplique in concretu ao caso vertente, ainda assim, denota-se claramente que “in casu” e, em face das circunstâncias, resultar da eventual suspensão do acto, uma grave lesão ao interesse público, ou seja, com a suspensão do embargo torna-se evidente ficar “beliscado” o Poder de Autoridade da Administração Pública, que se afigura como um dos meios para a realização do “conceito indeterminado” de Interesse Público.

XIII.        Ao pretender fazer valer o seu direito nos termos em que o fez, o Requerente claramente está a fazer o uso abusivo de um direito, procedimento proibido nos termos do art.º 334º do C.C, que refere que:

É ilícito o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A pretensão do Requerente, procedendo, colocaria em causa o interesse público, indo ao arrepio do princípio referenciado, sendo de todo censurável.

XIV.        Embora reconhecendo a excessiva burocracia dos órgãos da Administração Pública no tratamento das questões relacionadas com a legalização dos terrenos para construção e não só, todavia, as normas existentes para a regularização destes e outros processos existem, e devem ser respeitadas.

Ref.ª interna: 75 14 20 09 2016 JN

 

Acórdão do Processo Nº 75/2014